quarta-feira, julho 25, 2012

Jesuses Vermelhos

É um dilema terrível. Um tanto de gente é oprimida, normalmente a maioria. Todos apontam diferentes motivos pra vida ser ruim. Daí um grupo de pessoas começa a juntar as peças e ver que tem uma elite artificializando todo o sofrimento e escassez para se manter no poder, e travando as possibilidades de mudança, para se manter no topo, mesmo que esta elite seja também alienada e só busque ascensão social sem medir consequencias. Aquele grupo de pessoas tenta mobilizar mais gente, e assim que a elite toma ciência, tenta silencia-los. Este grupo de pessoas já não consegue ficar calada pois compreendeu a realidade maior de todo sofrimento artificial. A elite os mata. O que restam se revoltam mais ainda, formando grupos extremistas, guerrilhas, rancorosos. A elite mantém o poder, e os grupos que enxergaram tudo são popularizados vilões, radicais malucos, comunistas maconheiros, fragmentados.

Por um lado, é absolutamente insuportável engolir calado a politica real, depois que você absorve o suficiente destas verdades. Hoje li uma entrevista do Raul Reyes, lider das FARC morto em 2008 pelo governo Uribe da Colômbia, seguido de outra entrevista com Yasser Arafat, lider palestino morto sob claustro pelo governo israelense, ambas contando o esmagamento dos que lutaram contra estes regimes fascistas assassinos. Ao terminar a segunda, meu estômago revirava, e é sempre assim. Conhecer a política real, de esquerda, faz o sangue ferver de raiva, de amargor contra quase todas estruturas de poder e trabalho de hoje. Conhecer detalhes destas verdades políticas é enaltecedor, nos faz elite intelectual em todas as áreas de conhecimento, mas dá uma carga de raiva tremenda, uma carga que dispara a cada comentário leviano de algum colega alienado. Cada vez que um analfabeto político fala "bandido bom é bandido morto" ou "esses alunos da usp maconheiros fazendo greve com meus impostos" eu só volto a me controlar depois de ja ter discutido por algum tempo, de ter controlado um desejo gutural de ofender o infeliz. A raiva que vem da sensação de a mentalidade da pessoa próxima representar todos os problemas da sociedade é potente DEMAIS, mais do que xingar a mãe, mais do que bater na irmã. Esta raiva me inspira a querer lutar, mudar tudo. Deparar com estúpidos leitores de Veja (não-milionários, com posições que só beneficiam grandes ricos) é o combustível político diário de mais alta octanagem. Esta raiva provavelmente moveu todos revolucionários a pegarem em armas e serem mortos e presos em troca de abrandamento do sistema sobre os mais oprimidos.

Por outro lado, a via raivosa não tem dado certo. Uma vez que todas as vias de poder, conhecimento e opinião pública estão sob domínio da elite financeira, o caminho parece sempre ser a tomada de poder na força, no levante de um grupo oprimido, para então disseminar o conhecimento pelas vias educacionais. Mas isso normalmente acaba em massacre, pois o grau de alienação proporciona justamente a dificuldade de adesão de grandes massas a qualquer movimento, como orquestrado pelas mídias da elite. Os privilegiados intelectuais se sacrificam, e a massa que tanto defendem não tem oportunidade mental de se mobilizar. Então pequenos levantes são quase sempre dizimados contra forças armadas assalariadas. Acabam funcionando quando o levante vem de dentro das forças, como na Venezuela, com todos os problemas de colocar a violência no poder. Já nas discussões pessoais, a hostilização de idéias ou o insulto à inteligência dos alienados teimosos acaba afastando a maioria dos que não têm vínculo pessoal (os que têm vínculo pessoal SEMPRE entenderam e viraram "de esquerda"). Então acaba que as preciosas opiniões dos que mais entendem os problemas do mundo são realmente ouvidas por poucas pessoas. A via raivosa, seja contra governos, seja contra um colega de "direita", não mostra capacidade viral, de se auto propagar, ela é pegajosa e sofrida. São tantas mortes e lutas verbais sem efeito, que é desesperador.

Qualquer partido de esquerda sabe, e o próprio Hugo Chávez tanto insiste, que a revolução duradoura depende do esclarecimento da massa, da difusão das verdades do mundo. A política real depende do povo atuando, com consciência de quem realmente produz o mundo, planta a comida, constrói as casas. De que um homem não faz mais do que outro homem, de que o dinheiro acumulado é falso, de que Maluf e Sarney não têm braço pra plantar nem barriga pra comer de todos os milhões de hectares de suas terras. Apesar de amigos jornalistas condenarem o meu uso do termo "verdade", sinto muita segurança em dizer que o princípio básico de esquerda é ESCLARECER A VERDADE para todos, e da direita MENTIR em benefício de poucos, SEMPRE, desde milênios atrás. Por isso um autor ou revista de esquerda são tão claros de ler e ricos de dados, enquanto os de direita são recheados de ironias e falácias retóricas difíceis de processar. PODE COMPARAR, tente dissertar algo com validade lógica de um comentário do Arnaldo Jabor na Globo, pegue uma caneta e tente achar algum raciocínio sólido com causalidade/efeito e clareza "ecológica/epidemiológica/estatística/macroanalítica".

Qualquer bom professor sabe que amizade com alunos é fundamental para o canal de informação ser estabelecido. Eu já percebi isso há tempos, mas o meu talento para ironia, crítica e raiva dificulta muito o processo de intercambio político. Chega a doer tentar sorrir em discussão com alguns colegas Economistas. E dói mesmo, pois é um contrassenso prezar pela VERDADE científica e política e usar da FALSIDADE para ser amistoso a pobres colegas educados para o mercado. Tenho a consciência de grupo de que a pessoa alienada não tem culpa, o sistema desinforma para ser de direita mesmo, mas na hora da conversa a RAIVA aflora e a FALSIDADE se faz necessária. E remoendo esse sofrimento que me dei conta que talvez esta seja uma luta real e produtiva a ser travada. Não a etapa da falsidade, mas antes dela.

Se a salvação do mundo é o conhecimento real, honesto; se a via da raiva não funciona na difusão em micro ou macro escala; e se a falsidade dói e não convence; então resta mergulhar de cabeça na causa, com visão coletiva. Resta ao "esquerdista" a via da bondade honesta e carismática, paciente, sem truques. Repito, BONDADE, HONESTA. Manter os canais de diálogo fáceis e abertos, manter as posições políticas sem ódio ao desavisado, com visão de longo prazo. Fazer da vida uma jornada pessoal de distribuição de visão e amor sociais. Que nem a de Jesus na historinha, mas esclarecendo que milagres não existem.

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