terça-feira, setembro 21, 2010

O balanço da rede

Novos meios, velhos fins. A internet abriu a porta da informação, isso é muito revolucionário mesmo, dando conhecimento ilimitado pra quem quiser procurar. O problema é que apesar disso, não houve revolução social nem nada. Os meios de informação existem, você pode saber a verdade sob qualquer tablóide pela boca de intelectuais de todos os continentes, se entender o ingles arrastado. Então seria de se esperar uma grande guinada de opiniões, uma vez que toda a mídia velha é dominada pelos muito ricos, passando sempre ficção científica pra massa. Agora que temos os porquês na mira do mouse, deveria estar todo mundo na rua, mudando o sistema. Mas não. Fico pensando em como mudar isso, como jogar a favor das correntes e usar a rede pra dar update na cabeça da galera.
O que se vê é que a maioria usa a internet para continuar em sua bolha local. Segundo estudo das empresas Pew e Nielsen, o tempo gasto atualmente em internet no mundo é dividido entre: 1)Ver conteúdo fixo (42%), 2)”Atividades de meio”: Email, compras, buscas, etc (36%) , 3)Redes sociais (22%). E todas elas podem assumir um caráter tão quadrado e localizado quanto da TV.
O conteúdo visto é canalizado por grandes portais de informação, como na mídia antiga, porém com trabalho jornalístico ainda pior, o que favorece os sites das próprias agências velhas. O jornalismo e criticismo produzido por blogs tem grande dificuldade de exercer democracia, uma vez que os mais lidos quase sempre são filhos de grandes marcas. Os que conseguem um lugar ao sol não são capazes de competir com a representatividade dos grandes portais, e acabam sendo contratados por algum setor de poder para se sustentarem. Outro acesso a conteúdo é por meio de indicações de amigos, e isso vou explorar adiante.
Eu chamei de atividades de meio aquelas que não tem um conteúdo por si só, mas só apenas formas de acessar e transmitir. Também ficam localizadas, pois o email trabalha principalmente com conhecidos, a busca é por termos do seu universo local, as compras são apenas extensão do que se compraria no shopping, com as mesmas necessidades artificiais. O google.com recebe 80% das pessoas que navegam, usando quaisquer destas funções. Mais uma vez, tudo encaixotado no modo de vida individual não dá asas a ninguém, uma pena.
As redes sociais são a faceta que mais cresceu nos ultimos anos, sendo que já são acessadas por mais gente do que os serviços de email (aprox. 70% de todos usuários). O Brasil é onde as redes sociais são mais fortes: 80 a 90% dos internautas acessam, mais do que em qualquer outro lugar do mundo. Será pela cultura do corpo sarado brasileiro? A rede social consiste em fotos e conversas abertas para um grupo de amigos, de modo que você pode não apenas ter as relações, como mostra-las, ao contrário do imediatismo da vida real, ou da privacidade do email. Outra vantagem sobre a comunicação privativa é poder passear por catálogos de pessoas, vencendo a timidez e a rotina com um comentário amistoso aqui e ali. Ao contrário do que se imaginaria, no entanto, o alcance da rede é mitigado pela opção por privacidade, e na maioria das vezes se tem muito menos acesso online a novas pessoas do que se teria na rua, no bar. O que a rede disponibiliza são fotos e nomes, e as informações de perfil raramente ajudam a fomentar um diálogo, uma vez que se compõem por letras de música sem contexto. Acaba sendo uma atividade individual de passear por fotos de gente bonita, sem qualquer integração ou rompimento com a conhecida superficialidade da tv.
Ao que tudo indica, a internet está falhando em realizar seu potencial de democratização e união dos povos. Está funcionando mais como linhas e núcleos do que como rede realmente. Temos então que utilizar ao máximo as ferramentas que existem, mas sem alimentar falsas esperanças de que o saber é absorvido por osmose se houver acesso. Estão todos ocupados trabalhando e competindo.
É preciso haver um trabalho de evolução da internet, de sentimento de necessidades em conjunto. Não consigo prever direito como, mas a informação democrática deveria ouvir todos ao mesmo tempo, e nunca grandes veículos particulares. Talvez com um grande processador de pareceres individuais a massa poderia despertar por si só.. mas isso já foi pensado e deturpado nos videogames “Metal Gear Solid”. Por enquanto a internet é injusta.
Se o mundo real ainda impera, são as relações locais e pessoais que poderão romper com a hegemonia dura. Explorando o veículo de comunicação pra falar com pessoas conhecidas, pode-se extender o ambiente de conversa de bar para um grupo maior, mas ainda pautado por relações pessoais de confiança e interesse, senão não funciona. Por isso, pra tirar o máximo proveito da internet, na verdade você tem que sair dela, participar de discussões, trabalhos e amizades em carne-e-osso, onde se pode dar acesso a informação meio que empurrado, já que a boa educação ensina a prestar atenção no que se está conversando. Falando cotidianamente de feminismo e socialismo, por exemplo, eu posso dar acesso a informação de qualidade a quem nem internet usa, até a quem assiste novela. O poder da conversa de cabelereira, de garçom, de taxista é fantástico se puder expor o outro mundo possível. É aquela máxima de pensar globalmente e agir localmente, no âmbito mais importante, o da informação. Por isso falo a vocês, meus amigos. E convoco todos os idealistas a serem tagarelas de bar!
Fontes: http://www.visualeconomics.com/how-the-world-spends-its-time-online_2010-06-16/ http://www.internetworldstats.com/stats.htm

sexta-feira, setembro 10, 2010

O ninho do tigre

1) A velha entra na sala mancando, a perna carcomida exalando o cheiro de sempre, cheiro de pronto-socorro, de pedaço que morreu e não avisou o dono. Modelo completo: diabetes, hipertensão, tabagismo, obesidade, colesterol, e "só dois dedinhos de cachaça no almoço" por 50 anos. -Dói a perna há 6 meses, não tem um remédio? - Mão na testa, olho no relógio, faltam 10 horas de plantão. O dia-a-dia de hospital é isso, uma impotência, um eterno “sinto muito, seu corpo está em frangalhos e não temos o que fazer”. Fico me sentindo um homeopata, porém honesto. Pra que serve medicina então?

O que salva vidas não é o atendimento médico de urgência. Aquilo é bacia das almas, quebra galho pra meia dúzia de mal-aventurados, pra quem muitas vezes não há o que fazer, realmente. O que não se pode subestimar é o valor da ciência de saúde humana, nisto incluindo médicos, químicos, físicos, etc. Esta ciência sim mudou completamente nosso modo e expectativa de vida, norteando os padrões de habitação, alimentação, higiene e atividade física, além de intervenções diretas, como as vacinações e programas de saúde preventiva. Mas ainda há uma barreira entre a realidade dos meios de saúde e a concepção popular do médico e do hospital. É isso que precisa mudar. A senhora-tigre que chegou andando na primeira linha deveria ter uma noção geral de como as doenças crônicas que enumerei vão estragar seu corpo sem que ela sinta quase nada, e depois do estrago nenhum remedinho irá de fato remediar a situação.

A saúde é mal distribuída, sim. Mas mesmo com um batalhão de médicos não se poderia seguir esperando o povo ficar doente pra vir nos 15 minutos de consultório ter uma formação de opinião sobre saúde. Essa história de CONSULTE SEU MÉDICO pra tudo gera um misticismo sobre doenças e remédios, como se fosse só parar na oficina e seu corpo sair novinho, pronto pra mais 100 anos de podridão. Talvez um dia.

Por enquanto, é necessário conscientizar todo mundo de que VIDA se deve levar pra evitar aparecimento e complicações de doenças comuns. Qualquer um sabe que cigarro faz mal, mas esta idéia vaga não dá liberdade de escolha real. Dá câncer, mas quase ninguem sabe o que é câncer. Saber que mata não é o bastante, se vamos morrer de uma forma ou de outra. Além disso, morrer é a parte mais fácil dessas mazelas todas, o problema é o caminho até lá. Tigres sofrem um bocado.

2) Nisso de conscientizar, o médico tem as mãos atadas. Além de ter pouquíssimo tempo no amontoado de pacientes que tem de atender, seja por lucro ou por demanda local, ele lida com adultos, o que estraga de vez o resultado. Adultos não se convencem de nada. Sou o mais cabeça-aberta dos que conheço e demorei quase 5 anos pra virar socialista, mesmo com doses diárias de injustiça social aonde quer que eu fosse em São Paulo e amigos tentando me explicar. Sim, acredito que adultos podem mudar radicalmente de opinião, mas a um custo de tempo e retórica totalmente inviáveis em larga escala. Quem tem que aprender sobre o mundo são as crianças.

E novamente não pelo médico. Quem tem tempo de estabelecer um canal de comunicação de confiança com os pequenos é o professor, o ambiente escolar. Entendo que o currículo escolar tem seus usos, porém é totalmente desligado da vida real. Eu gosto de saber distinguir distância, velocidade relativa e aceleração quando estou num veículo. Mas a escola deveria ensinar conteúdo mais pragmático, como cuidar da própria saúde, política atual e seus motivos, legislação, culinária, ensinar a realidade da cidade e do campo, formar um adulto. Seriam coisas muito mais úteis agora, do que reconhecer o filo da água-viva (por mais interessante que seja)... Acaba sendo uma questão mais ampla, da função social da escola. Enquanto a escola está ensinando terciarismos, quem “educa”(e tortamente) pra vida é o desenho animado, o rambo, o DATENA!

Há um cuidado em não falar muito de realidade com a criança, pois é jovem e inocente. De que adianta formar um bocó de 18 anos que em 5 minutos de realidade muda todos seus conceitos de vida? A criança precisa ver que tem gente passando fome, que o dinheiro acaba, que doença e cigarro mata com sofrimento, saber quem planta a comida e quem queima a comida pra subir o preço. Quase todos adultos de hoje teriam de ser re-alfabetizados num sistema desse. Não é nem questão de melhorar a saúde da população, estamos falando da saúde da sociedade mesmo.